#014... amizade com hétero

Meu último recurso para tirar algo da cabeça que não sai do coração é este aqui: transformar a confusão, a dúvida, em texto! Quem sabe eu escrevendo consiga apagar aquilo que me incomoda. Eu sou especialista em castrar meus próprios sentimentos. Isso me deixa muito mal. Eu sinto algo que vai me machucar porque nunca será real.

Estas paixões platônicas por héteros irão me enlouquecer. Não foi apenas por um, mas por cinco até o momento. E sempre é a mesma coisa: começa no doce e nunca termina no palito. Quem me dera se fosse igual pirulito. Os caras me tratam bem, super respeitam minha orientação sexual, só que daí eles dão um “carinho hétero”, que nada mais é do que amizade. E ponto final. Mas sou gay e isso não vai mudar, assim como eles gostam de mulher, e isso também não vai mudar. Daí já viu a merda que dá.

Sinto culpa por misturar as coisas, sinto raiva por não ser maduro o suficiente para encarar a situação, sinto carência por nunca materializar algo que adoraria que fosse verdade. Os héteros que já alimentaram minhas punhetas, que já serviram de pano de fundo para tantos fetiches, que já foram importantes para meus orgasmos individuais, não passam e nunca passarão de pura ilusão.

Acorda, Alice! Ou melhor, acorda Róger! Você já é um homem de 34 anos e não consegue ter uma amizade madura com um heterossexual por se apegar a ele? Sim. Admito que não estou preparado e nunca estarei. Daí os caras ficam achando que sou doido, só pode.

Para o primeiro, nunca disse nada. Estudávamos na escola e eu sempre me imaginava no lugar das gurias que aquele galinha pegava depois da aula. Era um cachorro. Hoje, ele me segue no instagram, mas só até aí. Nem me cumprimenta na rua. E não sinto nada por ele como naqueles tempos.

Daí os outros foram de acordo com a reciprocidade: o segundo era vegano e eu queria casar com ele. Mas fui contar em uma mensagem via e-mail e ele se afastou por motivos óbvios. A natureza é cruel comigo e deus não existe por causa disso. Podia ter me feito com buceta. Ódio.

O terceiro eu contei que gostava dele e ele é meu amigo até hoje. Mas não sinto nada por ele. Na real, esse passou por vários perrengues comigo em Porto Alegre. Temos muitas histórias pra contar. Incrivelmente fui apaixonado no passado e hoje não sinto a menor vontade de beija-lo.

O quarto morava comigo no mesmo lugar, éramos vizinhos de quarto. E só. Mas o suficiente para eu sentir alguma atração. Acho que o jeito bruto dele me seduziu. Consegui brigar por um saco de pipoca que ele pegou emprestado sem minha autorização.

O quinto sofreu. E olha que a amizade durou 6 anos. E digo isso porque sequer dia do amigo a gente celebra mais. Ele mudou de vida e não temos mais afinidade. Somos de mundos completamente diferentes: ele é conservador, eu libertino; ele acredita em deus, eu sou ateu; ele gosta de carne, eu sou vegano; ele rico, eu sou pobre. Não sei porque ficamos amigos e como isso durou tanto tempo. A gente fez muita coisa juntos, chegamos a visitar plantações de orgânicos, praticamos esportes e inclusive acompanhei de perto os passos dele em direção a formação acadêmico. E foi isso. Eu digo que ele pagou os pecados porque em vários momentos eu ficava com raiva por sentir algo a mais por ele. E daí, aconteceu que muitas vezes eu queria simplesmente que nossa amizade nunca tivesse existido. No final das contas, eu sempre amei ele, mas nunca contei. Eu demonstrava, e achava que ele sabia e por isso me torturava com atenção e afeto. Quantos jantares ele me convidou? Quantos passeios a gente fez juntos? E tudo pela amizade.

E agora estou em 2022, passando mais uma vez pelo mesmo perrengue. Que merda! Isso me tira a paciência, me deixa mais carente que eu sou e o coitado do amigo hétero não tem a menor culpa do problema. A experiência de outras vezes está fazendo eu mentalmente compreender que tenho a obrigação de respeitar a orientação sexual do homem que gosta de mulher. E acabou. Entender que não vai acontecer nada, que ele vai encontrar uma mulher mais cedo ou mais tarde. E que em relação a eu, é só amizade.

Eu estou torcendo para isso passar logo. Adoraria que ele não falasse mais comigo. Isso seria um mal necessário. Enquanto isso, já tracei algumas estratégias: dedicar menos tempo a ter contato físico, ter menos interação social com ele, ignorar dentro do possível qualquer novidade, e segue o baile. Até o fim do ano (olha a meta kkk) ele não vai passar de um hétero que teve uma amizade comigo. E ponto. Nenhuma dor é eterna.

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